“A construção da agenda climática é um dever de todos”
CEO da COP30, Ana Toni afirma que a agenda climática precisa ser construída por todos, examina oportunidades e desafios gerados pelas mudanças climáticas e diz que a COP30, que será realizada em Belém, em novembro, deve ser a “COP da ação”, e não mais de compromissos a serem descumpridos. Por: Vagner Ricardo
CEO da COP30, Ana Toni afirma que a agenda climática precisa ser construída por todos, examina oportunidades e desafios gerados pelas mudanças climáticas e diz que a COP30, que será realizada em Belém, em novembro, deve ser a “COP da ação”, e não mais de compromissos a serem descumpridos. Ela avalia positivamente a participação inédita do mercado segurador nos debates que buscam limitar o contínuo avanço da temperatura no planeta.
Como a COP30 pretende garantir que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) não apenas aumentem a ambição, mas também incorporem mecanismos obrigatórios de implementação e fiscalização para assegurar resultados concretos?
Na governança climática internacional, o Balanço Global (GST, na sigla em inglês) é um mecanismo que avalia o sucesso do Acordo de Paris. O primeiro foi concluído em Dubai, na COP28, e mostrou que as negociações internacionais fazem diferença: as projeções de aquecimento até 2100 caíram de 4°C para algo entre 2,1°C e 2,8°C com a implementação plena das NDCs. Mas também deixou claro que ainda estamos longe do exigido para limitar o aumento da temperatura média do planeta a 1,5°C. Para manter essa meta, devemos reduzir as emissões em 43% até 2030 e, em 60%, até 2035, alcançar emissões líquidas zero por volta da metade do século, triplicar a capacidade global de renováveis, dobrar a eficiência energética e promover a transição para o fim dos combustíveis fósseis. Esse foi o diagnóstico. Agora, vamos à resposta: a Conferência de Belém deve ser a COP da Implementação. E o que vai realmente nos manter no limite de 1,5°C é transformar compromissos em ações concretas. Implementar é a única forma de alcançar o objetivo que 197 países aderiram juntos em 2015. Só assumiremos oficialmente a Presidência no primeiro dia da Conferência, em Belém, e teremos mandato de um ano, até a abertura da COP seguinte. Durante esse período, vamos liderar as negociações, promover consensos, definir prioridades políticas e organizar a conferência. O Brasil busca liderar pelo exemplo: apresentou de forma antecipada uma NDC ambiciosa, economy-wide, com metas absolutas de redução. O País trabalha para construir consensos políticos a partir do diagnóstico trazido pelo Balanço Global e mobilizar as Partes para que as novas NDCs não apenas sejam mais ambiciosas, mas que tenham meios concretos de implementação e acompanhamento.
Que mecanismos concretos a Presidência da COP30 propõe para assegurar a participação efetiva do setor privado e da sociedade civil na formulação e execução das NDCs?
Cada país tem autonomia soberana para formular e implementar sua NDC. O Acordo de Paris não cria mecanismos coercitivos, mas instrumentos políticos baseados em transparência e pressão de pares. Por isso, falamos em contribuições nacionalmente determinadas na COP30, estruturamos dois braços principais para assegurar a participação de atores não estatais: um que dialoga diretamente com a sociedade civil, buscando garantir que a conferência seja um processo contínuo, descentralizado e inclusivo — e não apenas um evento pontual —, que engaja comunidades, coletivos e organizações em ações concretas e imediatas para enfrentar a crise climática. O outro é a Agenda de Ação, que dialoga mais diretamente com o setor privado e governos subnacionais e funciona como uma plataforma global que conecta iniciativas voluntárias voltadas à implementação do Acordo de Paris.
De que forma a Casa do Seguro e o mercado segurador podem contribuir de maneira mais estruturada para a agenda climática da COP30?
O setor segurador tem papel crucial na agenda climática porque atua justamente na interseção entre risco, impacto e resposta. Em situações de desastre, as seguradoras são frequentemente a primeira linha de resposta econômica, capazes de canalizar recursos de forma rápida e organizada para apoiar comunidades e empresas afetadas. Isso é essencial para lidar com perdas imediatas, permitir uma recuperação mais célere e evitar que populações vulneráveis sejam empurradas para situações de maior fragilidade. Na adaptação e na resiliência, o setor pode desenvolver produtos que incentivem a redução de riscos, vinculando cobertura a práticas mais sustentáveis e resilientes; apoiar governos e comunidades na criação de mecanismos de seguro paramétrico, que liberem recursos automáticos quando indicadores climáticos ou ambientais atingirem determinados limiares, garantindo agilidade na resposta; e participar de parcerias público-privadas para ampliar o acesso a seguros em regiões e setores vulneráveis, ajudando a estruturar soluções de proteção para quem hoje está descoberto. No âmbito de perdas e danos, o setor pode ser um aliado estratégico ao conectar sua expertise em modelagem de risco, avaliação de danos e mecanismos de compensação com os fundos e arranjos financeiros globais em construção, além de, a partir de seguros climáticos, funcionar como um colchão para as populações mais vulneráveis, ao evitar que desastres climáticos se transformem em crises humanitárias prolongadas.
Como conciliar a urgência da ação climática com as demandas dos países em desenvolvimento por crescimento econômico e geração de empregos?
Já é consenso entre os países que o fim da pobreza, o desenvolvimento sustentável e a proteção ambiental precisam caminhar juntos. É importante superar a falsa dicotomia entre proteção ambiental e crescimento econômico. Na prática, são duas faces da mesma moeda. A degradação ambiental mina a base econômica e social dos países, enquanto a ação climática pode gerar inovação, empregos verdes e novas oportunidades de desenvolvimento sustentável. Investir em adaptação e mitigação tem um custo efetivo alto: estudos mostram que ações de adaptação podem gerar um retorno médio de 27% para cada dólar investido, evitando até quatro dólares em perdas futuras. Não é apenas uma boa política — é também uma boa economia. No Brasil, por exemplo, cerca de 70% do PIB depende dos serviços ecossistêmicos da Amazônia, como o regime de chuvas e dos rios. Isso demonstra que o desafio não é escolher entre clima e desenvolvimento, mas sim construir um modelo de crescimento que seja justo, inclusivo e sustentável, capaz de gerar empregos hoje sem comprometer as condições de vida e prosperidade das próximas gerações.
De que forma a presidência da COP30 está articulando com instituições como a OCDE, a NDC Partnership e o governo alemão para garantir que a conferência em Belém seja um marco de implementação?
A COP30 chega em um momento muito particular da governança climática internacional. É a segunda COP depois da conclusão do Balanço Global e a primeira após a consolidação do livro de regras do Acordo de Paris. Ou seja: não estamos mais discutindo como estruturar o regime climático — agora o desafio é acelerar a implementação. Estamos articulando com diferentes atores — sejam instituições internacionais, governos, organismos multilaterais, governos subnacionais ou organizações da sociedade civil. Implementar exige não só ambição política, mas também capacidade técnica, financiamento e participação ampla.
Como se planeja articular, na prática, a convergência entre os sistemas financeiros globais e os compromissos climáticos para garantir que os fluxos financeiros se alinhem às necessidades dos países em desenvolvimento?
Desde a COP15 de Copenhague, em 2009, os países desenvolvidos tinham um compromisso de mobilizar US$ 100 bilhões por ano para apoiar a ação climática nos países em desenvolvimento. Esse compromisso não foi cumprido, gerando frustração. Foi só em Baku, na COP29, que conseguimos um avanço histórico: o acordo para triplicar essa meta, elevando o compromisso para US$ 300 bilhões anuais até 2035. O acordo foi importante porque elevou a meta de financiamento climático, mas nós sabemos que esse valor ainda é insuficiente frente às reais necessidades dos países em desenvolvimento. Por isso, foi criado o Mapa do Caminho Baku–Belém para US$ 1,3 trilhão em financiamento climático, que chega agora à COP30 como uma ponte que aponta caminhos para escalar o financiamento para a casa dos trilhões, reduzir o custo de capital, facilitar o acesso e garantir que os recursos cheguem mais rápido e de forma transparente a quem mais precisa.
Como sua atuação anterior na sociedade civil, na filantropia e em organizações como o Instituto Clima e Sociedade (iCS) — ou seja, do outro lado do balcão — pode contribuir, agora dentro do governo, para transformar compromissos em ações concretas e acelerar sua implementação?
A experiência que tive na sociedade civil, na filantropia e em organizações internacionais me ensinou algo fundamental: a agenda climática precisa ser construída por todos. Ela não pode ser responsabilidade exclusiva do governo, nem do setor privado, nem apenas das organizações da sociedade civil. É uma agenda apaixonante porque, no fundo, trata de melhorar a vida das pessoas — seja tornando as cidades mais seguras contra desastres, ampliando o acesso à energia limpa, ou fortalecendo meios de vida sustentáveis no campo e nas florestas. A minha passagem “para o outro lado do balcão” me permite hoje, como CEO da COP30, articular essas três forças — velocidade, proximidade e escala — em prol de um mesmo objetivo: promover uma mudança estrutural no nosso modelo de desenvolvimento, na velocidade e na profundidade que precisamos para cumprir as metas climáticas.
Qual a importância de realizar a COP30 no Brasil e que legados ela trará para o País?
Realizar a COP30 no Brasil tem uma importância dupla: deixar um legado para o País e para a própria governança climática internacional. Trazer a Conferência para Belém, no coração da Amazônia, é simbólico e transformador. A COP passa a acontecer mais próxima da natureza, em meio à exuberância da maior floresta tropical do planeta, lembrando a todos os negociadores que a agenda climática não é apenas sobre números e compromissos em papel — ela é sobre desenvolvimento econômico, pessoas e riquezas naturais, que têm valor intrínseco e desempenham papel essencial na sustentação da vida na Terra. Para o Brasil, a COP30 reforça a posição histórica do País como um gigante ambiental.